Sexto Domingo do Tempo Comum – Ano C

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Leituras: Jr 17,5-8; Sl 1; 1Cor 15,12.16-20 Evangelho: Lc 6,17.20-26

Santos Padres:

1) Nemésio de Emessa (séc. V) Da natureza do homem (PG 40, 532C-536A)

“Sobre a dignidade do homem”

Quem poderia admirar condignamente a nobreza deste vivente, em cuja pessoa a mortalidade se alia com a imortalidade, e o racional com o irracional; que traz em sua natureza a imagem de toda a criação – pelo que também é chamado de microcosmo; que foi julgado digno por Deus de uma providência especial; para quem existem todas as coisas presentes e futuras; em atenção a quem o próprio Deus se fez homem; que só se contenta com a eternidade e foge do que é mortal; que, criado à imagem de Deus, impera sobre os céus, vive unido a Cristo, é filho de Deus e preside a todo o domínio e poder?

Quem poderia enumerar as excelências de tal vivente? Transpõe os mares, percorre o céu com o olho do espírito, conhece o curso dos astros, suas distâncias e medidas, explora a terra e o mar, despreza os animais ferozes e os monstros marinhos, entrega-se com êxito a toda sorte de ciência, arte e pesquisa, comunica-se a longa distância por meio da escrita com quem quiser, não se deixa confinar pelo corpo e prediz o futuro.

Tudo domina, de tudo se assenhoreia, de tudo goza; conversa com Deus e os anjos, impera sobre a criação, dá ordens aos demônios, esquadrinha a natureza das coisas, empenha-se por Deus e torna-se a morada e o templo de Deus. Todas estas coisas ele as adquire pela virtude e pelo espírito de piedade.

Mas talvez se julgue fora de propósito o escrevermos um hino de louvor ao homem, ao invés de lhe expormos simplesmente a natureza, segundo nos propuséramos. Por isso lhe poremos fim, posto que com a enumeração de suas prerrogativas naturais já estamos tratando de sua natureza.

Sabemos da nobreza que nos foi outorgada pelo fato de sermos uma como planta especial; não profanemos, pois, esta natureza, para não sermos reputados indignos de tais dons, e não nos privarmos de tão grande poder, distinção e felicidade, renunciando ao gozo das coisas eternas em troca de alguma vantagem desprezível ou prazer efêmero. Antes, conservemos a nossa dignidade pela prática das boas obras, pela abstenção do mal e a reta intenção, à qual Deus costuma dar sua assistência especial, e pela oração. É o que tínhamos para dizer sobre este assunto.

2) Hermas (séc. II) O Pastor, Parábolas, 2,5

“O olmo e a vide”

Enquanto andava pelo campo notei um olmo e uma vide, e distinguindo os dois e os seus frutos, o pastor me apareceu e me disse: “O que está pensando?” “Estou refletindo”, lhe respondi, “sobre o olmo e a vide, que são extremamente apropriados um ao outro”. Ele disse: “Estas duas árvores servem como exemplo para os servos de Deus”. Eu lhe pedi: “Quisera saber o exemplo contido nestas árvores das quais estás falando”. Ele me disse: “Observa o olmo e a vide”. “Os vejo, Senhor”. Ele continuou: “Esta vide dá fruto, porém o olmo é de um tronco que não produz fruto. Contudo, esta vide, a menos que suba pelo olmo, não pode levar muito fruto quando se arrasta pelo chão; e o fruto que então produz é de má qualidade, porque não está suspensa do olmo. Portanto, quando a vide se adere ao olmo, dá fruto a partir do olmo. Vês, portanto, que o olmo também dá muito fruto, não menos que a vide, e até mais”. “Quanto mais, Senhor?”, perguntei-lhe. Ele respondeu: “Porque a vide, quando pende do olmo, dá fruto em abundância e de boa qualidade; mas, quando se arrasta pelo chão, dá pouco fruto e apodrece. Portanto, esta parábola é aplicável aos servos de Deus, aos pobres e aos ricos igualmente”. “Como, Senhor?”, perguntei-lhe; “explica-me”. Ele respondeu: “Escuta, o rico tem muita riqueza, porém nas coisas do Senhor é pobre, pois as riquezas lhe distraem e é pouquíssima sua oração e confissão ao Senhor; e ainda quando faz, é breve, fraca, e não tem poder (de intercessão). Sendo assim, quando o rico procura o pobre e o auxilia em suas necessidades, crendo que receberá recompensa pelo que faz – porque o pobre é rico em intercessão (e confissão), e sua intercessão tem grande poder diante de Deus –, o rico, portanto, provê todas as coisas ao pobre sem hesitar. Mas o pobre, sendo auxiliado pelo rico, intercede e dá graças a Deus por ele tê-lo auxiliado. E o outro redobra o zelo para com o pobre, para que nada lhe falte na vida; porque sabe que a intercessão do pobre é agradável e preciosa diante de Deus. Assim sendo, os dois cumprem a sua missão; o pobre intercedendo, que é a sua riqueza recebida do Senhor; ele a devolve ao Senhor na intenção daquele que o auxilia. O rico, também, da mesma forma provê as necessidades do pobre com as riquezas recebidas do Senhor, sem hesitação. E grande é esta obra e agradável a Deus, porque o rico compreendeu perfeitamente o sentido da sua riqueza e partilhou com o pobre os tesouros do Senhor, cumprindo a missão do Senhor de forma apropriada. Aos olhares dos homens o olmo parece não levar fruto, e não sabem nem percebem que, vindo uma estiagem, o olmo, tendo água, nutrirá a vide, e a vide, tendo esta constante provisão, dobrará a quantidade de frutos, tanto para si como para o olmo. Da mesma forma o pobre, intercedendo diante do Senhor pelo rico, garante as suas riquezas, e o rico igualmente, suprindo as necessidades do pobre, garante sua alma. Então, os dois participam na boa obra. Logo, quem realiza tais coisas não será abandonado por Deus, mas será inscrito nos livros dos vivos. Bem-aventurados são os ricos que também entendem que são enriquecidos pelo Senhor. Porque os que assim pensam, poderão, então, realizar uma boa obra.

3) São Leão Magno, papa e doutor da Igreja (séc. V) Sermão sobre as bem-aventuranças 95,4-5 CCL 138A, 585-587)

“Ao justo sua paciência o leva para a glória”

Após falar sobre a pobreza, que tanta felicidade proporciona, o Senhor seguiu dizendo: Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Queridíssimos irmãos, o pranto ao qual está vinculado um consolo eterno é distinto da aflição deste mundo. Os lamentos que se escutam neste mundo não tornam ninguém feliz. É muito distinta a razão de ser dos gemidos dos santos, a causa que produz lágrimas felizes.

A santa tristeza lamenta o pecado, o alheio e o próprio. E a amargura não é motivada pela maneira de agir da justiça divina, mas pela maldade humana. E, neste sentido, deve-se lamentar mais a atitude do que age mal, do que a situação daquele que tem que sofrer por causa do malvado, porque ao injusto sua malícia termina no castigo; porém, ao justo sua paciência o leva para a glória.

Segue o Senhor: Bem-aventurados os sofredores, porque eles herdarão a terra. Promete-se a posse da terra aos sofredores e aos mansos, aos humildes e simples, e aos que estão dispostos a tolerar todo o tipo de injustiças. Não se deve olhar esta herança como desprezível e desfragmentada, como se estivesse separada da pátria celestial; do contrário, não se compreende quem poderia entrar no Reino dos Céus.

Porque a terra prometida aos sofredores, em cuja posse os mansos entrarão, é a carne dos santos. Esta carne viveu em humilhação, por isso mereceu uma ressurreição que a transforma e a reveste de imortalidade gloriosa, sem temer nada que possa contrariar ao espírito, sabendo que sempre estarão de comum acordo. Porque, nesse caso, o homem exterior será a possessão pacífica e inamissível do homem interior.

E, assim, os sofredores herdarão em paz perpétua e sem prejuízo algum a terra prometida, quando este corruptível se revista de incorrupção, e este mortal se revista de imortalidade.

(Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, José, Bondan, Fernando)