Oitavo Domingo do Tempo Comum – Ano C

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Leituras: Eclo 27,5-8; Sl 91; 1Cor 15,54-58; Evangelho: Lc 6,39-45

Santos Padres:

1) São Cirilo de Alexandria, doutor da Igreja (séc. V) Comentário ao Evangelho de São Lucas cap. 6 (PG 72, 602-603)

“Os discípulos são chamados a serem os iniciadores e mestres do mundo inteiro”

Um discípulo não é maior que o seu mestre, mas quando terminar a aprendizagem será como mestre. Os bem-aventurados discípulos estavam chamados a serem os iniciadores e mestres do mundo inteiro. Por isso era conveniente que se avantajassem aos demais em uma sólida formação religiosa: necessitavam conhecer o caminho da vida evangélica, serem mestres consumados em toda boa obra, repartir aos seus alunos uma doutrina clara, sã e vinculada às regras da verdade; como aqueles que já tinham fixado seu olhar na Verdade e possuíam uma mente ilustrada pela luz divina. Somente assim evitariam de se converterem em cegos, guias de cegos. De fato, aqueles que estão envoltos nas trevas da ignorância não poderão conduzir ao conhecimento da verdade aqueles que se encontram em idênticas e calamitosas condições. Pois de tentá-lo, ambos acabarão caindo no fosso das paixões.

A seguir, e para cortar pela raiz a tão difundida doença da vanglória, de maneira que em nenhum momento tentem superar o prestígio dos mestres, acrescenta: Um discípulo não é maior que o seu mestre. E se alguma vez ocorresse que alguns discípulos alcançassem tais progressos, que chegassem a se equiparar em mérito aos seus antecessores, mesmo assim devem permanecer dentro dos limites da modéstia dos mestres e tornarem-se seus imitadores.

É o que assegura Paulo, dizendo: Segui o meu exemplo, como eu sigo o de Cristo. Portanto, se o mestre se abstém de julgar, por que tu estabeleces sentenças? Realmente, ele não veio para julgar o mundo, mas para usar de misericórdia com ele. Cujo sentido é este: Ele diz, “se eu não julgo, tu também não julgues, sendo discípulo como és”. E se por acréscimo és mais culpável que aquele a quem julgas, como tua cara não se encherá de vergonha? O Senhor esclarece isto mesmo com outra comparação: Diz: Por que vês o cisco no olho do teu irmão?

Com silogismos sem volta trata de persuadir-nos de que nos abstenhamos de julgar aos outros; examinemos antes nossos corações e tratemos de expulsar as paixões que se aninham neles, implorando o auxílio divino. O Senhor cura os corações destroçados e nos liberta das indisposições da alma. Se tu pecas mais e mais gravemente que os outros, por que lhes reprovas seus pecados esquecendo-te dos teus? Assim, este preceito é necessariamente salutar para todo aquele que deseje viver piedosamente, porém o é sobretudo para aqueles que têm recebido o encargo de instruir aos demais.

E se forem bons e capazes, apresentando-se a si mesmos como modelos da vida evangélica, então sim poderão repreender com liberdade aqueles que não querem imitar sua conduta, como àqueles que, aderindo aos seus mestres, não demonstram um comportamento religioso.

2) São João Cassiano (séc. V) Conferências 3,23,4

“A bondade e justiça humanas não são boas comparadas com a bondade e justiça divinas”

Quantas coisas são qualificadas de boas no Evangelho! Dá-se o qualificativo de bom à árvore, a um tesouro, a um homem, a um servo: A árvore boa não pode dar frutos ruins. O homem bom tira do bom tesouro de seu coração coisas boas. Muito bem, servo bom e fiel. É incontestável que em todos estes casos se trata de uma bondade real, não imaginária. No entanto, se dirigirmos o olhar para a bondade de Deus, nenhum deles poderá tornar-se digno do qualificativo de “bom”. Assim o afirma o Senhor: Ninguém é bom a não ser Deus.

Frente a ele, os próprios apóstolos – a quem o mérito de sua eleição lhes situa em muitos aspectos acima da bondade comum dos homens – são declarados maus. Na realidade, a eles se direcionam estas palavras: Portanto, se vós, sendo maus, sabeis dar coisas boas para vossos filhos, quanto mais vosso Pai que está nos céus, dará coisas boas para quem as pede!

Portanto, se nossa bondade se transforma em malícia ao considerar a bondade celestial, nossa justiça, comparada à justiça divina vem a ser semelhante, como diz Isaías, a um lenço imundo: Toda a nossa justiça é como um lenço imundo. E se apelamos para um testemunho ainda mais evidente, eis aqui o que nos dizem os preceitos de vida da Lei: Ela – se afirma – foi dada por anjos, através de um mediador. E dela também diz São Paulo: Portanto, a Lei é santa; e o preceito é santo, justo e bom. Porém, o oráculo divino proclama que não são bons frente à perfeição evangélica: Foi-lhes dado preceitos que não são bons, e mandamentos nos quais não encontrarão a vida. Ouvi ainda a São Paulo, que afirma que toda a glória da Lei se eclipsa ante a luz que reflete o Novo Testamento, até ao ponto de que frente ao esplendor do Evangelho já não merece ser glorificado: O que em outra época foi glorificado, deixa de ser glorificado frente a esta insigne glória.

A Escritura segue esta trajetória e este mesmo estilo, quando, com sinal inverso, coloca na balança os pecados dos homens. Assim, em comparação com os ímpios, justifica aos que pecaram menos, dizendo: Tu justificaste a Sodoma. E ainda: Qual foi o pecado de Sodoma, tua irmã? E também: Israel, o infiel, parece justo em comparação da pérfida Judá.

O mesmo acontece com todas as virtudes enumeradas mais acima. São boas e preciosas em si mesmas, porém obscurecem ante a claridade da “teoria”. É que, por mais que os santos se ocupem em boas obras, muitas vezes estão envoltas em cuidados terrenos que diminuem e retardam da contemplação daquele sublime bem.

3) Diádoco de Foticeia (séc. V) Capítulos sobre a perfeição espiritual 6.26-27.30 (PG 65, 1.169; 1.175-1.176; cf. tb. LH, vol. IV, p. 132)

“O discernimento dos espíritos se adquire pelo paladar espiritual”

O autêntico conhecimento consiste em discernir sem erro o bem do mal; quando se alcança isto, então o caminho da justiça, que conduz a alma para Deus, Sol de justiça, introduz aquela mesma alma na luz infinita do conhecimento, de modo que, doravante, vai segura após a caridade.

Convém que, embora no meio de nossas lutas, conservemos a paz do espírito, para que a mente possa discernir os pensamentos que a atacam, guardando na dispensa de sua memória aqueles que são bons e possuem sua origem em Deus, e lançando deste depósito natural aqueles que são maus e procedem do demônio. O mar, quando está calmo, permite aos pescadores enxergarem até o fundo dele e descobrir onde se encontram os peixes; mas, quando está agitado, fica turvado e impede aquela visibilidade, tornando inúteis todos os recursos dos quais os pescadores se utilizam.

Somente o Espírito Santo pode purificar o nosso espírito. Se ele não entra, como o mais forte do Evangelho, para vencer o ladrão, nunca lhe poderemos arrebatar sua presa. Convém, portanto, que em toda ocasião o Espírito Santo se encontre à vontade em nossa alma pacificada, e assim teremos sempre acesa em nós a luz do conhecimento; se ela sempre brilha em nosso interior, não somente serão reveladas as influências nefastas e tenebrosas do demônio, mas também se debilitarão enormemente ao serem surpreendidas por aquela luz santa e gloriosa.

Por isto diz o apóstolo: Não extinguis o Espírito, isto é, não o entristeçais com as vossas más obras e pensamentos, não aconteça que deixe de auxiliar-vos com a sua luz. Não é que nós possamos extinguir o que existe de eterno e vivificante no Espírito Santo, mas sim que podemos contristá-lo, ou seja, ao ocasionar este distanciamento entre ele e nós, nossa alma fica privada de sua luz e envolvida em trevas.

A sensibilidade do espírito consiste em um “paladar apurado”, que nos dá o verdadeiro discernimento. Da mesma forma que, pelo sentido corporal do paladar, quando desfrutamos de boa saúde, apetece-nos aquilo que é agradável, discernindo sem erro o bom do mau; assim também nosso espírito, desde o momento em que começa a possuir plena saúde e a prescindir de preocupações inúteis, torna-se capaz de experimentar a abundância da consolação divina e de reter em sua memória a lembrança de seu sabor, por obra da caridade, para distinguir e ficar com o melhor, conforme o que diz o apóstolo: E esta é a minha oração: que vosso amor continue crescendo mais e mais em compreensão e em sensibilidade para apreciar os valores.

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Possui graduação em Filosofia pelo Seminário Arquidiocesano de Maceió(1994), graduação em Teologia pelo Seminário Arquidiocesano de Maceió(1998) e mestrado em Filosofia Sistemática pela Pontificia Università Gregoriana (2001). Atualmente é Sacerdote Católico da Arquidiocese de Maceió, Pároco da Paróquia Santo Antônio de Pádua, Professor do Seminário Arquidiocesano de Maceió, Vigário Episcopal para as Novas Comunidades, Presidente da Casa para Velhice Luiza de Marillac, Presidente do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas - CONED/AL.