Batismo do Senhor

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Leituras: Is 42,1-4.6-7; Sl 28; At 10,34-38 Evangelho: Mt 3,13-17 

Santos Padres:

1) São Gregório Taumaturgo (séc. III) Sermão 4 [atribuído] na Santa teofania (PG 10, 1.182-1.183)

“Veio a nós aquele que é o esplendor da glória do Pai” Estando você presente é impossível calar, pois eu sou a voz, e precisamente a voz que grita no deserto: preparai o caminho do Senhor. Eu preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim? Ao nascer, eu tornei fecunda a esterilidade da mãe que me gerou, e, quando ainda era um menino, procurei remédio na mudez de meu pai, recebendo de ti, menino, a graça de fazer milagres. De tua parte, nascido de Maria a Virgem conforme quiseste e da maneira que só tu conheceste, não menosprezaste sua virgindade, mas a preservaste e a mimoseaste juntamente com o apelativo de mãe. Nem a virgindade impediu o teu nascimento, nem o nascimento feriu a virgindade, mas sim que ambas as realidades, o nascimento e a virgindade – realidades opostas se houver –, firmaram um pacto, porque para ti, Criador da natureza, isto é fácil e possível. Eu sou somente homem, partícipe da graça divina; tu, porém, és ao mesmo tempo Deus e homem, pois és benigno e amas com loucura o gênero humano. Eu preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim? Tu que eras ao princípio, e estavas junto a Deus e eras o próprio Deus; tu que és o esplendor da glória do Pai; tu que és a imagem perfeita do perfeito Pai; tu que és a luz verdadeira, que ilumina a todo homem que vem a este mundo; tu que para estar no mundo vieste onde já estavas; tu que te fizeste carne sem converter-se em carne; tu que habitaste entre nós e te tornaste visível aos teus servos na condição de escravo; tu que, com teu santo nome, como uma ponte uniste o céu e a terra: tu vens a mim? Tu, tão imenso, a um homem como eu? O rei ao precursor? O Senhor ao servo? Pois ainda que não tenhas te constrangido de nascer nas humildes condições da humanidade, eu não posso transpassar os limites da natureza. Tenho consciência do abismo que separa a terra do Criador. Conheço a diferença que existe entre o pó da terra e o seu Criador. Sou consciente de que a claridade do teu sol de justiça me supera imensamente, eu que sou a lâmpada de tua graça. E mesmo quando estás revestido da branca nuvem do corpo, contudo, reconheço teu senhorio. Confesso minha condição servil e proclamo tua magnificência. Reconheço a perfeição de teu domínio, e conheço minha própria baixeza e ignomínia. Não sou digno de desatar a correia de tua sandália; como, pois, irei atrever-me a tocar o alto[1] de tua cabeça imaculada? Como estenderei sobre ti minha mão direita, sobre ti que estendeste os céus como uma tenda e estabeleceste a terra sobre as águas? Como abrirei minha mão de servo sobre tua cabeça divina? Como lavar aquele que é imaculado e isento de todo pecado? Como iluminar a própria luz? Que oração pronunciarei sobre ti, sobre ti que acolhes até mesmo as orações dos que não te conhecem? 

2) Santo Ambrósio, bispo e doutor da Igreja (séc. IV) Comentário sobre o Salmo 35,4-5 (CCL 64, 52-53)

“Ao encarnar-se não perdeu os atributos de sua grandeza” Creio que sobre a pobreza e os sofrimentos do Senhor temos citado os testemunhos muito válidos de dois santos, dos quais um viu e testemunhou, enquanto que o outro foi escolhido somente para testemunhar. Escutemos ainda novos testemunhos sobre a condição servil do Senhor tirados destes testemunhos confiáveis, ou melhor, escutemos o que o próprio Senhor disse de si mesmo pela boca dos dois. Vejamos o que diz: Fala o Senhor, que desde o ventre me formou servo seu, para que lhe trouxesse a Jacó, para que lhe reunisse a Israel. Lembremos que assumiu a condição de servo para reunir ao povo. Eu estava – diz – nas entranhas maternas, e o Senhor pronunciou meu nome. Escutemos qual é o nome que o Pai lhe dá: Vede! A Virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe porá por nome Emanuel, que significa “Deus conosco”. Qual é o nome de Cristo senão o de “Filho de Deus”? Escuta um novo texto. Anunciando sobre Maria a José, também Gabriel tinha dito: Dará à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Escuta agora a voz de Deus: E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor das cidades de Judá; pois de ti sairá um chefe que apascentará meu povo. Observe o mistério: do seio da Virgem nasceu o que é Servo e Senhor ao mesmo tempo: servo para trabalhar, Senhor para ordenar, a fim de implantar o reinado de Deus no coração do homem. Ambos são um. Não um do Pai e outro da Virgem, mas sim o mesmo que antes dos séculos foi gerado pelo Pai, e mais tarde se encarnará no seio da Virgem. Por isso é chamado Servo e Senhor: servo por nós, mas pela unidade da natureza divina, Deus de Deus, príncipe de príncipe, igual de igual; pois o Pai não pode gerar um ser inferior a ele e afirmar ao mesmo tempo que no Filho tem as suas complacências. Grande coisa é para ti, diz, que sejas meu servo e restabeleças as tribos de Jacó. Emprega sempre termos adequados a sua dignidade: Grande Deus e grande servo, pois ao encarnar-se não perdeu os atributos de sua grandeza, já que sua grandeza não tem fim. Portanto, é igual enquanto Filho de Deus, assumiu a condição de servo ao encarnar-se, sofreu a morte aquele cuja grandeza não tem fim, porque o fim da lei é Cristo, e com isso se justifica a todo o que crê, para que todos creiamos nele e lhe adoremos com profundo afeto. Bendita servidão que a todos nos concedeu a liberdade; bendita servidão que lhe valeu o “nome acima de todo nome”; bendita humildade que fez que ao nome de Jesus todo joelho se dobre no céu, na terra, no abismo, e toda língua proclame: Jesus Cristo é Senhor para a glória de Deus Pai.